Fadiga de compras
Comprar deixou de ser uma atividade prazerosa para se tornar uma sobrecarga cognitiva?
Recentemente precisei fazer uma compra muito simples: um óleo para o cabelo. É uma compra pequena, de algo que uso todos os dias e que costumo gastar pouco. Olhei algumas opções em sites, mas decidi que ia comprar em uma loja perto de casa. Era uma daquelas lojas especializadas em produtos de cabelo, com todas as marcas possíveis. Cheguei lá, olhei vários, e mesmo sabendo que precisava muito de um óleo novo, eu simplesmente não CONSEGUIA comprar.
Esse sentimento não é uma novidade e tem um nome: paralisia decisória. E essa sensação de sobrecarga na hora de fazer uma certa compra não sou só eu que sinto: Segundo uma pesquisa da Accenture de 2024,
74% dos consumidores abandonaram suas cestas de compras nos últimos três meses simplesmente porque se sentiram bombardeados por conteúdo, sobrecarregados pelas opções e frustrados pela quantidade de esforço que precisam fazer para tomar decisões.
A paralisia decisória não é um conceito que vem sozinho, está diretamente conectado a um aspecto que interfere fortemente na maneira como compramos hoje: O PARADOXO DA ESCOLHA. O conceito foi criado por Barry Schwartz, psicólogo americano, e apresentado no livro “The Paradox of Choice: Why More Is Less”, publicado em 2004 (nada novo, mas que fica mais atual a cada dia).
A teoria do Paradoxo da Escolha refuta uma das principais crenças das sociedades ocidentais atuais, de que: mais opções disponíveis = maior liberdade = maior felicidade. O que Schwartz mostra na sua pesquisa é que o excesso de opções normalmente tem o efeito oposto: em vez de aumentar o bem-estar, gera paralisia, ansiedade, arrependimento e insatisfação.
Isso acontece porque a abundância de escolhas exige maior esforço cognitivo, aumenta as expectativas e, consequentemente, a probabilidade de decepção. A grande quantidade de opções pode gerar uma culpa ou medo de não escolher a melhor opção. É 100% o exemplo clássico de passar horas no Netflix escolhendo um filme e no fim acabar assistindo a série de sempre, que já é conhecida e não tem como decepcionar. E essa sensação, nas compras, só aumenta. Novas marcas surgem o tempo todo, e o acesso a elas (principalmente online) ficou muito mais fácil.
Ter mais informações sobre os produtos disponíveis parece também não ajudar. Na matéria da Busines Insider Paralyzed by choice, a reporter entrevista Jessecae Marsh, professora de psicologia na Universidade Lehigh, que através de um estudo que concluiu que quanto mais informações analisamos ao tentar tomar uma decisão, maior a probabilidade de nos depararmos com algo que conflita com nossas crenças, o que complica o processo de tomada de decisão:
"Se você experimentou um hidratante da Oil of Olay e teve uma reação, mas vê vários sites dizendo que aquele é o melhor, você se encontra em uma situação em que as informações que recebe não correspondem às que você guarda na sua cabeça", disse Marsh. "Esse conflito sempre será difícil para as pessoas, porque elas não sabem exatamente como resolvê-lo."
No artigo "Search Gaps and Consumer Fatigue" escrito por Raluca M. Ursu e Qianyun Zhang, da Universidade de Nova York, e Elisabeth Honka, da UCLA Anderson, os autores falam sobre o paradoxo da escolha como uma fadiga, principalmente no contexto de compras online. Essa fadiga se dá como um desgaste cognitivo: à medida que vamos avaliando mais opções, páginas e sites, o esforço mental para continuar buscando aumenta, transformando a busca por um simples óleo de cabelo em um alto custo de energia e atenção.
O que esses professores descobriram é que para lidar com essa fadiga, nós passamos a fazer pausas (os gaps do título) no processo de compras, como forma de “resetar” essa fadiga. Deixar a compra salva na aba dos favoritos não é só uma forma de pensar melhor se ela vale a pena, mas também um alivio para o cansaço mental que procurar um produto online causa. Isso faz com que os processos de compra fiquem cada vez mais longos, já que podem durar dias ou até semanas.
E pra mim, uma das consequências disso tudo é uma falsa sensação de que estamos sendo mais racionais ao comprar. Ao olhar inumeras opções, comparar preços e descrições temos a sensação de que estamos tomando uma decisao super racional. Mas consumir é um ato cheio de símbolos, emoções, desejos e não é porque a gente passou mais tempo escolhendo que esses gatilhos deixaram de existir.
Outra hipótese que pensei como consequência dessa fadiga de escolha é todo mundo estar consumindo as mesmas coisas. Com frequência colocamos a culpa apenas nas redes sociais e nos algoritmos, mas apesar de serem totalmente culpados, não acho que sejam os únicos. Acho que de certa forma, ter chancelas de quem a gente admira ou conhece consumindo algo é um atalho que usamos para tentar diminuir essa fadiga que as buscas infinitas causam.
Há diversos conteúdos (inclusive a pesquisa da Accenture do inicio) apontando que a IA vai nos salvar dessa sobrecarga de escolhas na hora da compra. Assim como já tem quem use IA como psicólogo, acredito que o uso como “personal shopper” deve crescer bastante. Mas há um ponto de atenção: como falei anteriormente, compras são atos carregos de emoção, simbolismos e rituais, o tipo de nuance que uma inteligencia artificial não é capaz de captar.
Há alguns anos atrás, jamais diria que levei mais tempo para comprar um óleo para o cabelo do que para escrever essa newsletter. Pra eu não me sentir sozinha: qual a compra besta que você precisava e não conseguiur fazer?









Muito real. Isso tem sido um grande problema pra mim. Faço mas detesto compra on-line justamente pelo excesso de opções que me levam à paralisia decisória. Sem contar que é tão mais gostoso um compra direta, interagindo com pessoas… prefiro lojas menores, mercados de bairro: menos opções, mais tranquilidade.
pior que é muito real mesmo. passei meses pensando que precisava comprar um rímel, saindo de casa toda maquiada e sem rímel, e não conseguindo comprar porque não conseguia escolher um. um exemplo de muitos. mas essa semana finalmente comprei o rímel porque tinha ficado absurdo!