Em um evento corporativo de alguns meses atrás, Mark Zuckerberg soltou a informação de que os brasileiros mandam 4x mais áudios no whatsapp do que qualquer outro país. Qualquer pessoa que use o whatsapp atualmente não se supreende com essa informação, mas não deixa de ser interessante ouvir o próprio Zuckerberg falando (que inclusive teve que aprender a falar zap-zap) que somos referência mundial em envio de áudios.
Alguns dias depois de ter visto isso, fui impactada por um vídeo desse gringo. No vídeo ele fala o quanto fica espantado que qualquer brasileiro consegue falar por meia hora sobre qualquer coisa, de forma confiante, coerente e com frases que fazem total sentido. Ouvir isso nos faz pensar "sim, óbvio, quem não conseguiria??". Mas segundo o Freddy, criador do vídeo que é inglês, na Europa isso não é comum. Ele até cita um jogo de uma rádio inglesa que eles te davam um assunto x e a pessoa precisava falar desse assunto por 1 minuto sem desvio, repetição ou hesitação. Um jogo que seria uma PIADA aqui no Brasil.
O que esses dois conteúdos têm em comum é que são dois estrangeiros impressionados que, comparado com outras culturas, nós não apenas falamos MUITO, mas também falamos BEM. E porquê isso acontece?
Nas minhas pesquisas pra entender mais sobre o motivo me deparei com uma resposta bem comum, conectando esse comportamento à baixa escolaridade e uma taxa significativa de analfabetismo. Isso faria com que muita gente prefira enviar mensagens de audio por ser mais prático, já que não exige habilidades de leitura e escrita. Entendo que realmente seja uma das motivações. Uma pessoa proxima de mim é semi alfabetizada e só conseguiu uma inclusão digital a partir do recurso de audio do whatspp, podendo assim mandar mensagens para outras pessoas. Realmente é algo significativo.
Mas acho raso parar por aí (e com um tom de viralatismo também) e fui atrás de outras possíveis respostas. Uma que encontrei e me deixou uma pouco mais convenciada foi a questão da importância da sociabilidade para o brasileiro. Não é à toa que somos conhecidos mundialmente por sermos calorosos: somos culturalmente comunicativos e expansivos. Aqui no nosso país, ser simpatico é uma habilidade extremamente valorizada e somos desde crianças incentivados a falar com estranhos, a fazer amigos e criar laços com as pessoas. E uma das formas mais fáceis de fazer isso é, obviamente, falando.
E para além da simpatia, nós somos emocionais. Quando perguntamos para as pessoas características dos brasileiros, uma resposta mega comum é “povo feliz, alegre”. Entendo essa resposta não como uma ~positividade tóxica, mas como uma percepção de que a gente se entrega intensamente às nossas emoções. Até porque sabemos sofrer de maneira belíssima também. Esse vídeo das comemorações das medalhas é uma exemplo perfeito disso. Deus me livre comemorar uma medalha olímpica só com uns aplausos xoxos.
E além de deixar as emoções transparecerem, também somos muito corporais. Diferente de outras culturas, estamos acostumados a nos expressar através do corpo. É algo que levamos para as manifestações artísticas, não é à toa que muitas das nossas festas culturais têm a dança como o ponto central, como carnaval, bumba meu boi e as festas juninas. Mas também é algo que está no nosso jeito de existir diariamente: falamos com o corpo todo, usando gestos, tom de voz, expressões faciais.
Li um depoimento muito legal da Sarah Luisa Santos, editora da Revista da Babbel, contando como ela percebeu o quanto os latinos gesticulam enquanto falam quando ela morou na Austrália. Segundo ela, pessoas que tem alguma descendência latina têm a linguagem não verbal quase como um patrimônio. Ela levanta a hipótse de que o clima quente relaxa mais as pessoas e as deixa mais expansivas, enquanto o frio não ajuda quando o assunto é linguagem corporal.
E se usamos a expressão corporal tanto assim, realmente a fala pode nos ajudar a passar a mensagem que queremos. Pensando em um audio de whatsapp, por mais que a outra pessoa não esteja nos vendo, enquanto falamos podemos gesticular e transmitir pela voz e entonação exatamente o que queremos dizer.
Outra hipótese que encontrei foi a herança da cultura oral indígena: foi através das narrativas orais que os povos nativos do Brasil transmitiam suas lendas, mitos e construiram seus "combinados” como grupo. E foi sendo absorvido pela cultura em geral no Brasil, que passou a criar novas lendas e transmitir histórias a cada geração. A tradição de saberes orais é tão importante para o país que há conhecimentos que são tombados pelo Iphan, como um tipo de bordado feito nomunicípio de Divina Pastora, interior do estado de Sergipe.
E por último, mais uma hipótese que acrescento como motivo da gente gostar tanto de falar é ela, a maioral: a lingua portuguesa. Uma das respostas que vi no vídeo do Freddy sobre como nós desenrolamos uma conversa com muito mais facilidade que alguns europeus foi essa aqui:
E quando vi isso, lembrei do TED da Lera Boroditsky, cientista cognitiva, que fala sobre como a construção dos idiomas molda a maneira da gente enxergar o mundo. Ela traz alguns exemplos de linguagens que fazem com que as pessoas percebam o tempo pela paisagem, e não de maneira linear, como nós que escrevemos da esquerda para a direita. Ou como algo simples como mudar o genero de algo pode fazer com que a descrição seja feita diferente. Em alemão o substantivo ponte é gramaticalmente feminino e em espanhol é masculino. O que faz com que alemães digam que pontes são "bonitas e elegantes” e espanhois falem que elas são “fortes”.
A nossa lingua é definitivamente belíssima, não é por acaso que volta e meia ressurge o meme das palavras que só existem em português como saudade, ou ‘porque usar a palavra "bowl” quando temos a palavra "cumbuca", que é um deleite de pronunciar. Mas além da gramática, a entonação também é algo marcante no nosso jeito de falar: o ritmo do português é melódico em comparação com outras línguas.
Isso também nos difere dos portugueses, já que o portugues que falamos aqui é diferente do que é falado por lá (inclusive ás vezes é impossível de entender o que eles dizem). O professor de linguística Marcos Bagno explica que por aqui tivemos uma influencia muito grande das línguas indígenas e africanas, das quais herdamos os sons anasalados e o ritmo silábico pausado, tipo ta-ca-ta-ca-ta (que faz soarmos mais melódicos), respectivamente. Dois aspectos que definitivamente trazem uma malemolência que portugueses não têm.
Depois de refletir sobre todas essas hipóteses, não acredito que apenas uma esteja certa. Acho que todas elas compõem esse mix de motivos que nos fazem ser um povo destacadamente falante. Que beleza que é ser brasileiro e tagarela! Na próxima vez que aquele colega te disser “vou te mandar um áudio que é mais fácil", você pode lembrar desses motivos e entender que, realmente, talvez seja mais fácil pra ele mandar um áudio.
Que demais essa leitura, todas as pecinhas fazem sentido e aqui a gente habla mesmo. Gosto de pensar nessa identidade latina que empacota o Brasil. Tava olhando também aquela série "Casamento às Cegas" que tem em vários países e notar as diferenças e semelhanças de cada país. O da Inglaterra e do México, são muuuito diferentes por exemplo. Muito interessante!
Por isso que nasceu o FalaQui...Graças aos brasileiros :-)